Flavia Abranches é jornalista. Instagram: @flavi_abranches

A escola é o local onde deixamos nossos filhos para que eles estudem, se desenvolvam e busquem um futuro próspero e saudável. Porém, notícias que envolvem atentados dentro dos espaços de aprendizagem têm sido frequentes e já não se sabe qual nível de segurança possuímos, quando os próprios alunos são os que agem aterrorizando crianças, adolescentes, professores e responsáveis, como foi o caso da cidade de Suzano, em São Paulo, onde adolescentes encapuzados mataram a tiros seis pessoas e cometeram suicídio em seguida. Em Niterói, esta semana, um adolescente de 17 anos foi apreendido pela Polícia Civil que, através de uma denúncia anônima, identificou planos para um ataque criminoso no Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), em São Domingos, na Zona Sul da cidade.

Como lidar com esse momento? Meu papo é com a Psicanalista Flavia Chiapetta, que conversou comigo sobre o tema e seus desdobramentos relativos à mente humana.

Flavia Abranches: O que pode se passar na mente de um adolescente que planeja assassinar colegas e professores no ambiente escolar?

Flavia Chiapetta: É impossível saber exatamente as razões que leva o sujeito a cometer um ato tão radical. Isso depende de vários fatores, da estrutura psíquica, da dinâmica familiar. Mas acho importante considerarmos que em todos os casos, a história do sujeito revela um certo comprometimento no comportamento. Geralmente, são sujeitos que manifestam no ambiente escolar aquilo que está acontecendo com eles. Por exemplo, são crianças e adolescentes que apresentam uma certa tristeza ou um certo isolamento, ou um comportamento agressivo, podem ser vítimas de bullyng ou, ao contrário, provocam bullyng nos outros. Então, é importante perceber que essas crianças ou adolescentes dão sinais na escola e esses sinais podem, justamente, chegar a esse ato radical que é assassinar o outro. Por isso é fundamental te que a escola esteja atenta a seus alunos, não apenas ensinar Matemática, Português e etc, mas também estar atenta a esses sinais que as crianças apresentam no ambiente escolar, na relação com os outros.

Flavia Abranches: A propagação da violência, por meio de discursos políticos, games ou incentivo ao uso de armas, pode influenciar neste tipo de comportamento?

Flavia Chiapetta: Sim. Nós nos constituímos a partir das referências que recebemos do meio em que vivemos. Ao se tratar de um meio que se estimula a violência, isso certamente irá influenciar na formação do sujeito. E isso é ainda mais grave quando se trata de um sujeito com uma fragilidade psíquica. Esses sujeitos são especialmente influenciados. Essa propagação no discurso incita o que há de pior no ser humano. Existe um texto do Freud, ‘’O Mal estar na civilização”, que é muito importante e que todos deveriam ler, principalmente os políticos. Nesse texto, Freud diz o seguinte: “Os homens não são criaturas gentis, que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas. Pelo contrário. São criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa cota de agressividade.” Então, a cultura, a família, a escola, o governo, devem criar condições pro sujeito renunciar a esses instintos em prol do convívio social e não o contrário, ao incitar esses estímulos de violência, agressividade, ódio, estimula-se o que há de pior no ser humano.

Flavia Abranches: O uso de smartphones, tablets e games podem contribuir para que pais/responsáveis e filhos se afastem, de maneira que não haja trocas e conversas em casa, dificultando a percepção de alguma alteração ou tendência a atitudes agressivas de um adolescente/criança?

Flavia Chiapetta: O uso de eletrônicos possui uma função importante no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Eles precisam de acesso a esses instrumentos. Logo, não são os eletrônicos que provocam o afastamento. Na verdade, esse afastamento já existe no âmbito familiar. E justamente porque o sujeito se sente afastado dos pais, porque de alguma forma esses pais não dão um lugar especial a essa criança, não investem nessa criança, por vários motivos, – não necessariamente por serem pais ruins – ao se sentirem afastados dos pais, buscam um alento no uso excessivo dos eletrônicos. Então, o uso excessivo dos eletrônicos já é uma maneira de fugir de algum conflito familiar.

Flavia Abranches: Os inúmeros meios de informação podem atrapalhar ao disseminar informações sobre atos violentos? Qual seria a forma de os pais e responsáveis auxiliarem neste sentido?

Flavia Chiapetta: Isso pode acontecer sim. Os pais e educadores precisam estar atentos aos meios de comunicação que seus filhos acessam. Que programas assistem? Com quem andam? Quais games jogam? Os pais podem ter acesso a essas informações de forma lúdica, brincando com a criança, assistindo televisão com eles, jogando com eles. Isso é importante porque crianças e adolescentes são sujeitos em formação, de maneira que é muito importante que os pais estejam atentos e acompanhem o desenvolvimento, que conversem com seus filhos. Crianças e adolescentes precisam ser olhados, ter um lugar especial na vida dos pais, senão eles ficam sem referência. Essas crianças e adolescentes não possuem, de antemão, referência do que é bom ou ruim, do que é certo ou errado e isso é construído na relação com o outro. Essas referências são transmitidas pelos pais, através daquilo que eles verbalizam ou através de seus atos. É no contato com o outro que podem ser transmitidos esses valores e referências.

Flavia Abranches: Lamentavelmente, ataques a tiros em escolas crescem nos Estados Unidos. A partir de estudos publicados em 2018 na Revista de Estudos da Criança e da Família, que analisou ataques a tiros em massa – eventos nos quais pelo menos um atirador matou ou feriu intencionalmente pelo menos quatro outras pessoas – nos EUA, a grande maioria dos atiradores do século 21 eram adolescentes. O estudo aponta, ainda, a facilidade atual, nos EUA, ao acesso a armas e que os jovens sofrem mais frequentemente de ‘’deficiências mentais ou capacidades limitadas de resolução de conflitos’’. O estudo reforçou que essa ‘’tendência deve ser observada’’. O levantamento pede maior pesquisa de antecedentes, proibição de armas de assalto e maior apoio para tratamentos psiquiátricos. Aqui no Brasil, como a psicanálise e áreas afins podem prevenir o problema?

Flavia Chiapetta: Eu concordo com a pesquisa citada. De fato, são pessoas que apresentam uma fragilidade psíquica. Essa fragilidade pode ser observada desde cedo na vida da criança. Como já mencionei, em todos os casos em que crianças e adolescentes cometeram atos assassinos, durantes as entrevistas e pesquisas, foi colocado que se tratavam de sujeitos que apresentavam um comportamento ‘’esquisito”, triste, isolado ou agressivo e acessavam redes sociais e sites com conteúdos violentos. Os pais e educadores precisam estar atentos a esses sinais, porque crianças e adolescentes manifestam esses sinais, tanto em casa, em família, quanto na própria escola. E ao perceber tais sinais, devem encaminhar aos profissionais de apoio, como os psicanalistas e os psiquiatras para que, por meio de um tratamento, possam promover uma estabilidade ou oferecer mais recursos para que o sujeito consiga se fortalecer.

Flávia Chiapetta é doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, autora do livro  ´´Autismo e Psicanálise: o lugar possível do analista na direção do tratamento“ e membro da Escola Lacaniana de Psicanálise – RJ.

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