Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Sinceramente ainda acredito na bondade do ser humano; caso contrário não haveria motivos para a criação da palavra fé no dicionário de tantas línguas. Independente do superfaturamento de respiradores em plena Pandemia por COVID-19, com valores que chegam a 400% do normal, creio que alguns estão dispostos a mudar tal cenário mundial.

Quase me envergonho em dizer que os homens são assustadores, principalmente quando a população clama por abandono e descaso. Creio que meu DNA sempre seguiu os princípios do caráter, da dignidade, da gratidão e, principalmente, da solidariedade. Com o amadurecimento nos esvaziamos da perfeição, das vaidades e da avareza. Nunca almejei esses valores, pois sempre achei que o melhor presente que poderia ter recebido da vida era viver e ter filhos. Lembro-me que uma vez recebi uma crítica de uma pessoa: “você é o único médico de calça jeans e tênis numa defesa de tese – isso precisa mudar para tornar-se respeitado”. Sorri diante da imbecilidade proferida por um mentiroso poeta da medicina. É verdade que não me sentia à vontade em situações com tanta formalidade, mas preenchia o meu papel. Ficava por alguns minutos, abraçava realmente quem meu coração sinalizava e partia. O que julgava ser o meu dever, eu fazia… Até hoje sou assim e, sinceramente, estou leve.

Nunca vou querer que João e Bento sintam o pai-médico, homem-ocupado, sem tempo para as brincadeiras. […] Sento sempre numa poltrona, com os artigos científicos equilibrados entre minhas pernas e estudo. Eles, obviamente, são livres para me interromper a qualquer momento. E como os danados interrompem. Lembro-me claramente de minha mãe com a máquina de escrever no colo. As palavras deslizavam rápidas e suaves com a sintonia dos seus pensamentos. Creio que aos poucos vou me entendendo com a vida, solicitando perguntas e obtendo respostas. Ainda existe um grande silêncio dentro do meu córtex; esse que é parte da minha indignação com a relação do governo x povo. Aquele desprovido de liderança, nefasto, que encarna a “necropolítica” e a banalização da vida.

Felizmente ainda existem pessoas boas. Gente honesta, digna, responsável, sincera, amável, capaz, carinhosa, sensível e respeitosa. Ainda existe gente que se afasta da amargura, do ódio, da ambição, da sacanagem com o outro, do egoísmo, da hipocrisia e da soberba. Ainda existe gente como a gente… São essas que confortam, que nos fazem acreditar que a humanidade não está perdida, que nos ajudam a recuperar a fé na possibilidade de regenerar um mundo corrompido pelos interesses e pela falta de vergonha na cara.

Essa semana chorei ao perceber uma menina sozinha, desprivilegiada, desamparada, ausente de educação digna. Ainda na idade tenra passava os dedos em um almanaque da Turma da Mônica. Encostei ao lado da pequena e sussurrei: “está bom o livro?”. O único movimento que recebi foi uma flexão da sua coluna cervical sinalizando para um possível sim. Embora alguns possam questionar-me que a menina carreia o estoicismo, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino irão torna lá uma líder – não creio que exista salvação nessa estória. A cada ato covarde, imprudente e perverso do governo, mais miséria de fome, de sede e de dignidade existirá. A solidariedade humana não é a ambição da elite brasileira. A elite brasileira quer o mundo, pelo simples fato de querer. Age como uma criança imatura, entretanto deixa cicatrizes incuráveis e rastos de maldade.

“Que maravilhoso é que ninguém precise esperar nem um só momento para começar a melhorar o mundo”. Anne Frank.