– Marco Orsini é doutor e professor da Universidade de Vassouras e UNIG.
– Júlio Guilherme Silva é doutor e professor de Traumatologia e Ortopedia da UFRJ.

Em uma tarde ensolarada de inverno, no condomínio de classe média no Rio de Janeiro, dois negros conversam. Um acadêmico, trajado como um bom carioca: camiseta, bermuda e chinelo. Além disso, barba por fazer, olhos grandes e curioso por natureza. O outro, um verdadeiro brasileiro (Sr. Antônio); cabeça raspada, com máscara azul em tempos de COVID-19 e representante da classe trabalhadora. Durante a conversa dos amigos, eis que surge uma mulher. Senhora, pele como menor ação da melanina, beirando os 40 anos, estatura mediana, cabelos bem tratados, olhos castanhos e nariz afilado. O papo era informal, como  de sempre: o Sr. Antônio (zelador) com vassoura de cabo alongado, sempre estampa um sorriso no rosto e uma positividade indescritível.

A senhora aproximou-se da conversa, permanecendo em silêncio e alerta. Ao final, ambos determinaram um encontro para reparação na casa do professor.  Neste momento, a mulher derreia a região cervical e solfeja algo incompreensível. O condômino volta-se para a apresentável senhorita, e pergunta-lhe: “pois não, deseja falar comigo?”. Ela responde: “não é nada! Iria pedir uma ajuda em casa e confundi o senhor com um dos funcionários, desculpe-me!”. Expectador atento e perspicaz, Sr. Antônio questionou: “ela confundiu o senhor com quem? Não há ninguém no grupo de funcionários parecido contigo; exceto pela cor da pele”.

Neste momento, o condômino largou a bolsa, pôs a mão no ombro do amigo e disse: “você entendeu esse fator de confundimento?”. O sábio Sr. Antônio, abriu o indefectível sorriso, coçou a cabeça e disse: “claro que sim! Não deixe que isso o incomode, pois sempre ganho o meu dia quando o encontro aqui no condomínio!”. Após as palavras de inestimável apreço, o professor respirou e terminou o tradicional bate-papo da seguinte forma: “é Sr. Antônio, seu a chamo de racista, como acabara de testemunhar, seria chamado de radical!”.

No Brasil, o racismo é uma mazela secular, enraizada e graças a Deus cada vez mais combatida na contemporaneidade. Dentre as suas diversas manifestações, o racismo estrutural é apenas o florescer do imaginário da “senhora de engenho”. Confesso que entre autores como Ali Kamel no seu livro “Nós não somos racistas” e a visão do escritor, ativista do movimento negro e sambista Nei Lopes, fico com a visão do segundo. Infelizmente o racismo estrutural é pútrido, dissimulado e que inunda o inconsciente brasileiro. Concordo quando Kamel coloca “que somos a nação mais miscigenada do mundo”. Porém, paradoxalmente essa nação mestiça, com um forte cordão espiritual africano e indígena, é muito excludente. Infelizmente, isso é retrato do cotidiano brasileiro no qual veem e talvez desejam que os seres humanos com riqueza de melanócitos (as células que dão a tonalidade da cor de nossa a pele) tenham uma posição inferior na estrutura social brasileira.