Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Não tenho muita idéia do que se passa, pois os parâmetros morais e formação intelectual têm relação direta com a empatia. A impressão que tenho é que Bolsonaro não tem adjetivos, por isso, quem sabe, denomina os filhos de números. Às vezes me pego pensando sobre o seu sorriso “gelástico” e, sinceramente, gostaria de tocá-lo para ver se realmente é um metazoário que possui pele, coração, encéfalo, pulmões e rins. Será que ele é humano? Será que daí os pulsos são capazes de bater a representação de um coração? Comento com meus amigos de fé – aqueles que posso enumerar a quantidade de coisas da minha cabeça, principalmente as erradas, como nas eleições passadas.

Creio que uma de minhas qualidades é não me camuflar – eu votei no Bolsonaro e me arrependi. Qual o problema do arrependimento? Nenhum. “Marco, o voto não é secreto?”. O voto é secreto até depois de apertarmos os botões das urnas ou não? Jogo do Bicho é ou não irregular ? Apertar aquele baseado no Leblon é ou não irregular ? Se for, peço perdão e digo que um grande amigo que não a minha pessoa votou nele, pois seguindo o principio ético e moral que vem dos nossos representantes, nada que escuto e vejo com o binômio cérebro-coração é digno.

Hoje, dia 01\01\2021, acordei pensando em como será o amanhã para todos os nossos filhos. Filhos de verdade, não digo aqueles formados para “comerem” os outros durante a vida. Realmente me assustei ao perceber que o ano de 2022 baterá na nossa porta mais cedo ou mais tarde, pois nunca saberemos se estaremos com vida. Não consigo vislumbrar ninguém preparado moralmente, sensato, empático, intelectual, justo, puro de coração. Alguém que possa concorrer a uma vaga de presidente da República no Brasil.

Ontem, ao correr de máscara com um grande amigo na praia de Icaraí disse que tenho medo – não pânico da situação. O medo nos faz criar estratégias – o pânico paralisa – já dizia meu amigo Acary Bulle Oliveira. Breno fez uma brincadeira comigo que me assustou. “Marquinho, você conhece todo mundo, já pensou em entrar para a política e assumir algum cargo?”.

Breno é bem mais novo que eu, mesmo assim é um menino de ouro – cursa duas faculdades – direito e geografia. “Óbvio que não, está doido amigão, iria parar num porta-malas antes de assumir qualquer função. Iria entrar pedindo folhas de ponto, olhando olho no olho e metendo os “vagabundos” para fora. Já faço isso na Medicina – reprovo e pronto. Não reprovo por perversidade, mas não admito médicos que não sabem Medicina. Médico que faz da Medicina uma forma primária de ganhar dinheiro não é médico – pode ser qualquer outra coisa – mas médico não”.

Além disso, não iria investir um dinheiro suado que tenho guardado para meus filhos e gasta-lo em papelotes políticos para propagação de meu bom. Não nasci, definitivamente, para nada que envolva essas coisas espalhadas por ai, como o nosso presidente, se assim devo chamar uma figura de um que não possui freio frontal, que diz não ser coveiro, que acha bacana umas barbaridades que não possuem pé nem cabeça. Também diz que usava o apartamento para “comer” gente. Quase um canibal de sonhos. Já adianto uma coisa para vocês – atualmente não existe uma oposição concentrada e preparada para destroná-lo – isso me leva ao abismo.

Já conversei muito com o Antônio Catharino sobre política e ciência. Ele sabe do teor das nossas conversas. É leve e cessa nos limites individuais. Nos respeitamos acima de qualquer coisa. Batemos boca por bater. Falamos de Flamengo e Vasco… temos nossas convicções. Isso não faz um odiar o outro. Vivemos de forma democrática. Quem trabalha com dignidade e honestidade me permito ouvir e compreender. Nos escutamos e temos alguns pontos convergentes.

Acho que não preciso ajoelhar no milho, mesmo que ainda tenha respingo de sangue em minhas mãos das últimas eleições. De outro lado, sou radicalmente contrário a muita coisa escarrada da oposição. Vou citar algumas: 1) essa tal de lei rouanet é uma piada; 2) os salários absurdos no judiciário beiram o escárnio – esse foi um fato que me fez desistir da Universidade Federal – não pelo dinheiro, mas pela comparação com um número expressivo de colegas que são “analfabetos funcionais” e ganham 30 mil reais por mês, sendo que não sabem quem é Machado de Assis. 3) os obscuros investimentos em esportes e educação para lavagem de dinheiro (ninguém nunca esteve preocupado com nossas crianças nem estará, desde que sejam trampolins para parasitismo político), 4) o uso de todas as formas de preconceito para escalada de poder – preconceito deve e tem que ser combatido – ponto. É crime, porquanto, os fatos devem ser apurados e os responsáveis punidos. Racismo, seja da forma que for, não pode envolver dinheiro nem política – xadrez e ponto. 5) A policia, principalmente, pelo grupo oposto ao atual, é achincalhada em sua maioria. A instituição está largada, pobre, desarmada moralmente e corrompida- assim como a Medicina, o Direito e todas as outras profissões e instituições.

Tenho grandes amigos delegados, promotores e juízes e guardo a certeza que são as melhores pessoas do mundo, que fornecem amor, segurança e empatia para a sociedade, mas que infelizmente estão “presos” em suas estratégias e metas, para os típicos inocentes do Leblon.

Droga ilícita é crime. Roubar é crime – independente da classe social. A oposição também é suja, motivo pelo qual não ganhou as ultimas eleições. Quem ajuda bandido, seja lá qual for a forma de banditismo, é conivente. Infelizmente são muitos.

O Brasil está sendo destruído pela direita e esquerda ao mesmo tempo– na verdade elas se fundiram – de alguma forma – em algum ponto. De repente, podemos eleger alguém que não seja uma aberração. Vamos tentar algum democrata de centro-direita – caso ainda exista algum honesto e com estômago blindado.

Em tempo, ontem absolutamente um contraste no Jardim Icaraí. Portas cerradas e luzes enegrecidas por medo da doença contrastando com vizinhos com mais de vinte convidados brindando. Brindando o que? Achando graça de que? Desculpe – são uns idiotas. Não é possível uma estupidez fetida (bosta) dessas, desculpe-me o palavrão. Essa é a única palavra que define quem abre espumantes, coloca os filhinhos todos de branco com roupinhas de marca, apetrecham as babás como nas senzalas, tiram selfies dos rostos enegrecidos pela inércia e, que definitivamente, não se preocupam com absolutamente nada oriundo do conceito de coletividade e do social. Essas pessoas são a classe média que habita do nosso lado. São médicos, economistas, advogados, engenheiros, empresários… são pessoas que não tem empatia – nunca terão.

O DNA não tem marcação. Mesmo que finjam… tem gente que percebe.

João e Bento saíram com restrições ontem, beliscaram uns pães de queijo ao entardecer na nossa loja predileta na Moreira César, deram um presente para os meninos da Osklen, treinaram jiu-jitsu em nosso tatame particular, estudaram um pouco sobre geomundo e figuras folclóricas, brincaram no vídeo-game, foram abraçados por mim e cama. “Vamos dormir galerinha”. Por volta de 00:04, João e Bento gritam na janela feliz ano novo – fiquei emocionado pela pureza daqueles corações e encéfalos – gritei por eles. Obviamente, me perguntaram. “Papai, existem várias pessoas de branco e muitas festas, você pode deixar eu e Bento jogando e ir aproveitar”. Sorri, abracei-os de máscara, chorei e chorei de novo.

Ainda não recebi meu swab de covid – todos estão de máscaras aqui. Exclamei: “filhos, não existe nada melhor do que passar mais um ano com vocês ao meu lado, sem babá, sem espumantes, sem gente que não é gente, sem uma mentira social. Papai espera que 2021 seja um ano de mais brincadeiras para vocês, todas as crianças formadas de pais dignos, para as criancinhas pobres, para o Sonic, Vovó e Thor”.

Dedico essa crônica ao casal de velhinhos que moram porta a porta comigo – saíram de mansinho, tocaram a campanhia e me deixaram um bilete lindo. “Obrigado por cuidar de nós, Dr. Marco”. Eles sabem que não gosto de agradecimentos quando faço o que jurei ao me formar. Quanto a palavra “doutor”, isso soa como um xingamento para mim, mas guardo dentro da minha loucura. Os doutores não somos nós e sim quem tem dinheiro, status, poder, carteira e postura – como os capitães do mato. Eu não sou absolutamente nada; exceto ser correto.

Dedico essa crônica também para a Maria Fernanda – pequena que já peguei no colo e brinquei ao solo. Hoje uma adolescente. Seu pai, Melinho, é um dos meus melhores amigos, médico, professor e tudo. Um beijo no seu coração. Um outro beijo, na outra ponta, no Pepe e no Gui – grandes flamenguistas e crianças puras.

Quero desejar um feliz 2021 para um grupo que criamos no WhatsApp intitulado “Milicianos da Neurologia”. É óbvio que não existe absolutamente ninguém com desvio de caráter; todos trabalham e são condecorados social e moralmente por suas contribuições para/com a sociedade e com a instituição família. Tem muita gente famosa no grupo; penso que menos eu. Isso realmente é segredo. Não posso cita-los com adjetivos que não são – uma alusão ao cenário de hoje. Como nunca citei em minhas crônicas o Henry Pereira, excelente neurologista, e Rogério Marrocos, grande parceiro e psiquiatra, deixo um abraço em ambos. Muita olanzapina esse ano.