Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Embarcação. É assim que vejo o Brasil: como um pequeno navio atracado em correntes sem luz, ausente de movimentos, sem sons e tripulantes aptos. Conversamos aos sussurros nessa embarcação, como se temêssemos represálias advindas da terra. Realmente és tu, Brasil, uma cortina de fumaça com personagens desastrosos. Meus olhos, ainda jovens, o descortinaram. Estamos na beira de um penhasco ou na tal mesa da ralé (ricos, pobres, brancos, negros, mulatos, trabalhadores ou vagabundos). Essa pequena embarcação já desmontara muitas outras famosas, mas de tanto ser “quartilhado” transformou-se em quintilharia. Não podemos nos esquecer do sortimento de aflições, medos e frustrações desses tripulantes.

Cresci ouvindo esses juízos familiares, que pareciam comandar meu comportamento cauteloso até me ver longe de tais. Nas poucas aventuras que fazemos aqui pelo Rio de Janeiro, ainda existe o Maracanã; sempre circundado de pedintes miseráveis, garotas tuberculosas, usuários de drogas, loucos e alguns usurpadores de sonhos. Dizem que isso é uma especie de cultura regional. Não penso assim; morro por dentro, devagar, ao encarar tais cenas próximas ao Jardim Zoológico na Quinta da Boa Vista.

Me reinventei nesse mundo aparentemente imaginário, com seus sucateadores de embarcações. “Quem seriam tais?” Passageiros adultos travestidos na luz do dia com máscaras de cordeiros e durante a noite como sanguinários predadores. Ainda assim, nesse barquinho, tomo conta de João e Bento, amo a Jaqueline e ainda tenho sorte de ter bons amigos. E todo dia aqui é assim… ao terminar a dança ocorre a retirada das máscaras, e mesmo assim ninguém fica impressionado. Tenho frequentado cada vez menos eventos abertos, com muita gente. Não sei, pode o navio afundar. Escutar os outros de longe tem seu lado positivo. Quando o sujeito começa a se apresentar assim ó: “porque eu isso, aquilo, aquilo outro, mais isso” […] eu acho brilhante a tecnologia. Apago a câmera e vou pssear com os cachorros. Não entendo como dentro do fundo de um convés ainda exista gente que se ache melhor que o outro. Uns verdadeiros “descalços” em suas celas, servidos com restos de comida, apenas numa diferente bandeja de metal; mas no final é tudo igual.

Certa vez, por um professor, fui convidado a me vestir de forma apropriada para uma solenidade médica como, por exemplo, numa espécie de primeira classe de um transatlântico. Seu bilhete sugerindo que usasse uma camisa limpa e bem passada, além de meias e sapatos, foi arremessado na primeira lixeira abóbora; aquelas da prefeitura. Apesar do toque de recolher que isso ocasionou em mim, sobrevivi. Mas diferente de alguns, atirei-me ao oceano para ajudar pessoas que precisavam de luz e comida para sobreviverem. Nesse momento, uma luz azul do meu quarto contrasta com um grupo de pessoas num bar, dando a impressão de estarem num aquário. Será que estão? Não entendo de onde retiram forças para… deixemos para outra crônica.

Já é tarde, além disso gosto de ler um livro para João e Bento. Por mais que hoje não faça, conversarei de forma lúdica sobre o barquinho que eles moram. Eles dormem bem, pois são crianças. “Tínhamos um sono bom quando jovens, não é?” Na época de moleque o sono era uma espécie de prisão para qualquer criança com amigos à sua espera. Não queríamos dormir, pois ficávamos excitados com os passeios, brincadeiras, gincanas. Éramos impacientes de uma maneira bacana; estávamos de pé, escondidos de nossos pais, antes que luzes diurnas envolvessem o nosso navio. E hoje?! Impossível ter uma noite de sono REM, aquela parte restauradora. É sufocante dormir com a sensação de que o barco pode afundar. Para terminar: se hoje tivesse de inventar uma fotografia minha nos tempos de criança, ela mostraria um menino descalço com os polegares do pé machucados pelos chutes no asfalto, vestindo shorts e camisas de algodão. Provavelmente um menino sujo de brincar e com cecê; aquelas tiras debaixo do braço suado. “E quem hoje encontra-se nessa embarcação, já deu-se conta que 90% dos problemas das crianças está na família?” A sexualização precoce e insana de crianças, associada a permissão e músicas com apologia à drogas, agressores e violadores de ar (sufocadores), além de desvairados vão minando a última ponta de esperança do casco da embarcação: nossos filhos. Portanto, vamos lutar por/com eles com toda a força possível. Senão o barco vira… o acetileno azul irá cortar os costados das nossas embarcações, que, ao invés de acorrentados, ficaremos à deriva.

Tempos de maremoto são propícios para criarmos filhos fortes; com disciplina, caráter e força. “E o que falta nessa embarcação?” As tempestades criarem guerreiros e adversidades fazerem de nossos filhos fortes, mas cautelosos. Também falta aos pais mais vontade, pulso forte e ensinamentos básicos aos filhos.

Por fim, queria deixar claro que dentro dessa embarcação muitas pessoas eu amo: Joao, Bento, Sônia, Araújo Leite, Pedro (neto desse) Melinhe e, obviamente, o ser humano nu e cru. Vamos buscar forças para refazê-la com amor!