Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Ao atravessar uma rua movimentada em Icaraí, deparei-me com uma jovem empurrando um carrinho de bebê. Na verdade acho que o pequeno não pode mais ser intitulado como bebê, pois deveria ter uns oito meses de vida. Chamo até hoje meus filhos de bebês – assim farei até perderem aquele cheirinho de pé de criança – um odor idêntico aos artelhos de bonecos de plástico. O agravante é que eles já possuem chulé, porquanto, preciso rever meus conceitos. Cumprimentei-a e ofereci ajuda na travessia – acenei para alguns carros pararem e seguimos adiante – agiram com reciprocidade ao meu gesto.

Esses carrinhos de crianças fazem um barulho típico das roldanas plásticas, nada que seja tão incomodativo para reações histéricas e descorteses. Não possuem buzina, nem tração nas quatro rodas. Além disso, não são pilotados por adultos, mas por seres de pureza absoluta – crianças. Enquanto tentávamos nos comunicar através de máscaras, um casal que estava em nossa dianteira que parece ter se incomodado com o som das rodas nas pedras portuguesas falou (a esposa acho eu): “Deixa logo isso passar, esse barulho enche o saco”. Afirmo para os leitores que fiquei pasmo e estarrecido com a fala, entretanto nada fiz além de arregalar os olhos e sinalizar para a mãe que é da natureza humana – na verdade não deveria ser. Não satisfeitos com a insensatez o homem gira-se e pergunta: “O que você está olhando…passe logo que vocês estão torrando o saco”. Ainda encarou-me como um gladiador romano. Para a nossa felicidade é impossível tirar-me do sério, desde que não chateiem meus filhos.

O grande recado dado por essa crônica é sobre o povo brasileiro que infelizmente se resume sobre o ocorrido com a frase proferida por uma senhora que alcançou as manchetes dos jornais após afrontar um senhor que trabalhava como fiscal da prefeitura do Rio de Janeiro. O homem, buscando mantê-los seguros, sinalizou sobre o distanciamento social. Em contrapartida recebeu uma ingrata resposta: “meu marido não é cidadão não, é engenheiro civil, formado, melhor do que você”. Acho interessante o nível de imbecilidade e de soberba de quem acredita que ter nível superior completo define superioridade e caráter, ainda mais aqui nesse país assolado por essa casta violenta, xenofóbica e homofóbica.

Creio que a explosão de atos violentos, os novos modelos de sofrimento psíquico e a “biologização” de questões sócio-culturais foram aflorados pela pandemia, mas já estavam no DNA mitocondrial (essência) do povo brasileiro. Esse que respira a falta de cortesia com seus pares. Tais casos podem ser encarados pela insuficiência cultural e interpretativa que levam ao mal-estar na sociedade contemporânea. Estamos perdendo aos pouquinhos a cultura de ouvir, de falar, de narrar, de argumentar e contra-argumentar. A sociedade atual cobra uma postura narcisista das pessoas, uma imagem da perfeição, do saber tudo, do fingimento coletivo. Os valores morais e éticos foram substituídos por personagens criados pela mídia. Quem não se enquadra nesse espectro literalmente sai de cena, meu exemplo, ou começa a apresentar auto-decepções e depressão. Minha opinião sobre o assunto é simples: “O Brasil está totalmente desorganizado em todas as esferas”. Lembro-me do filme “O poço” – uma fábula sádica. Na película, um luxuoso banquete é servido aos mais favorecidos e os restos ofertados aos que encontram-se no nadir. Somente solidariedade e amor espontâneos podem nos tirar do poço. Certa vez me perguntaram se tinha vergonha de expor minha posição politica? Sou socialista cientifico – embora com pouca crença.

Dedico essa crônica à pequena Marina, ainda no ventre da esposa de meu grande amigo de estrada e profissão, Pedro Serrão Morales. Que outras venham com o mesmo DNA dessa pequena.