Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Até seria adequado ligar para minha terapeuta com o intuito de destrinchar o que hoje ouvi de uma pedagoga. “Marco, seu filho está entre os dois meninos da série com desempenho baixo. Provavelmente não existe organização nas tarefas que a Escola demanda e seu poder de resolução”. Sabe quando a gente olha e o coração parece dizer, deixa quieto Marco, não vale a pena – é rasa e incolor a fala? Por fim, chego à conclusão de fazer do silêncio uma oração; e assim fiz… Mas, achei o termo “poder de resolução” muito interessante.

Antes de chegar nessa estória vou me permitir falar um pouco de mim – eu tenho algum problema de atenção desde que me entendo por gente. Não é um déficit de da atividade e atenção que possui um famigerado número no CID, aquele exposto no hall da (Classificação Internacional de Doenças). Simplesmente apresentava uma dificuldade terrível em manter meu foco naquilo que não achava que iria me agregar. Em contrapartida, estudava de esquecer os ponteiros do relógio quando o assunto envolvia história, geografia, literatura, genética e biologia. Não lia alguns daqueles livros chatos indicados pela escola; tive a liberdade de optar por minhas escolhas. Nunca fui cobrado por pai e mãe a estudar… Por vezes, solicitava aquela “ajuda peculiar” em algumas provas de matemática no colégio, pois não tinha a mínima paciência para os triângulos retângulos et caterva; certamente pode-se também adicionar nesta relação alguma disfunção visiospacial. Ainda estaciono carros muito mal, e há vezes em que me oriento mal nas ruas. Em contrapartida, apresentava melhor desempenho que muitos colegas quando as provas envolviam literatura e português.

Na Escola de Medicina encontrei-me e passei a estudar com muito mais leveza, pois ali seria o meu espaço de transformar paixão em realidade. Com certeza, também, que várias de minhas áreas corticais consolidavam-se como fruto da empatia, quando o tempo que escolhia era dedicado a cuidar de pacientes e torná-los menos enfermos.

A vida é assim, perdemos e ganhamos; ganhamos e perdemos. Ninguém é fantástico em tudo; simplesmente possuímos dons e habilidades desenvolvidas pontuais.
Quanto a um dos meus filhos vou fazer uma defesa de pai orientador, não somente pela idade que dispensa o “carinha” de responder à altura tamanha imbecilidade acima. Não será necessário ancorar-me em Crátilo, um dos diálogos de Platão, que trata sobre a correção dos nomes, nem tratar das diferenças semânticas entre ensinar, instruir e treinar. Penso que boa parte das pedagogas e das professoras do ensino fundamental entendem em profundidade o Ensino à Distância tanto quanto a maioria dos médicos sobre a COVID-19. Tudo é muito novo, principalmente conectar uma criança, que no caso trata-se de um de meus filhos, a uma diminuta e fria tela de um computador. O guri está rodeado de estímulos sensoriais externos quando comparado à algumas baboseiras que acham que ensinam e querem empurrar goela abaixo. Eu prefiro você, meu filho, dando braçadas na piscina, brincando com o cachorro, fazendo seus esportes e, indubitavelmente, aproveitando a sua vida do jeito que é possível, se assim preferir, durante à pandemia – sua vida tem precedência sobre à escola. Quer assistir suas atividades escolares midiáticas – muito bem. Não quer – não se estresse – zero de estresse. Você não será melhor ou pior que ninguém somando uma carga horária defronte à uma tela artificial que não representa a vida e, indubitavelmente, não educa ninguém- somente transfere informação ou conhecimento. Vale atentar para as ponderações do filósofo contemporâneo sul-coreano Byung-Ghul Han, de que estamos a nos tornar a sociedade do cansaço, formada de sujeitos de desempenho e produção.
Diante do comportamento, principalmente, da classe média e das atrocidades que estamos presenciando, rimos muito – eu e o pediatra dos meus filhos. Ambos estávamos fazendo faxina nas casas.

Realmente a pandemia da COVID-19 demonstrou que algo diferente pode, numa lacuna de tempo interrogável, dar novo formato à educação, isso é certo. Mas fazer desse “pretenso modelo”, elegendo-o como alternativa é outra discussão bem mais profunda. Deixo aqui duas perguntas. Qual é a metodologia empregada? Que tal falarmos sobre a exclusão digital? Nos países civilizados, que certamente não figura o Brasil (tampouco o Estado do Rio de Janeiro) que estavam no fim do ano escolar quando eclodiu a pandemia, o Ensino à distância foi experimentado e os resultados com imensas limitações. Assim como os primeiros estudos médicos sobre alternativas de medicamentos por compaixão, e suporte de vida nas frias paredes dos hospitais.

Outra discussão sobre o aperfeiçoamento profissional dos professores é um tema que não tem merecido devida atenção por parte dos gestores da educação, isto porque, a preocupação do MEC, e obviamente, do modelo econômico vigente, é que sejam formados profissionais acríticos incapazes de questionar nefandos Governos. Meu guri terá o dom dele e as prioridades dele no seu tempinho. É um menino extremamente criativo, inteligente, multifacetado de valores, obediente, puro, amoroso e, sobretudo, uma criança no meio de uma pandemia de analfabetos funcionais de adultos.

Luciana Zanon – um muito obrigado por você suprir, com suas aulas particulares aqui em casa, ao menos duas vezes por semana, as lacunas marginais e aberrantes provocadas por esse tal de ensino baseado naquilo que se dá não sei onde; mas dizem que dá…sei lá…
Ainda conhecemos muito pouco sobre essa metodologia midiática na educação infantil. Soma-se ao caráter emergencial, que com toda certeza do mundo, não garantiu um ensino de qualidade para crianças nessa faixa etária de meu filho. Estou falando de uma fase em que os alunos estão sendo alfabetizados. A pandemia apenas parece estar permitindo e facilitando a realização de experimentos em todo o espectro educacional, desde o básico ao ensino superior. Torço para que não dê certo. Filhos não são animais de laboratório. Mesmo que fossem eles, teriam direito a escolher sobre o que lhes causa dor, aflição, angústia, cárcere, amargura, raiva, sede e prazer na vida. Mas os estudos que envolvem animais de experimentação? Prefiro não responder.
Dedico essa crônica às pessoas que estão se esforçando para transformar o mundo em algo melhor. Para os seres realmente humanos que se preocupam em amar, em usar máscaras como forma de respeito e valorizar a vida dos outros. Dedico também esse texto aos pais de crianças da rede pública que nem alimentação digna e saneamento básico possuem; pensem em ensino à distância para este segmento social de despossuídos. Isso soa como piada. “Mas todo pobre tem um celular Marco!”… Parte verdadeiro, mas com uma diferença de conectividade imensa. Há celulares e celulares. Ademais, a grande questão é o que eles possuem além do celular…O novo normal é um termo para a classe média – para os pobres é o que tem meus caros – o mesmo no novo normal!

É, certamente, a classe mais combalida por erros de conduta. A nossa classe média. Meus filhos não fazem parte dela – eles não estão ao lado de vocês – são nutridos pela utopia de um mundo justo, democrático, e que ofereça oportunidades iguais para todos. Como chamam este mundo, não importa, desde que não seja o modelo atual. Não os formarei para serem os melhores e sim os meninos mais felizes e realizados com a vida, dentro de suas limitações e regras da sociedade que respeitem as diferenças e a pluralidade. Moralmente, filhos, vocês serão formados! Palavra de Pai.