Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Charitas na década de 1980

Niterói é uma província… todo mundo sabe. É uma espécie de subdivisão de algo – não sei a definição. Gosto de viver aqui, embora tenhamos hábitos culturais ainda enraizados. Minha vida realmente é por aqui e, indubitavelmente, encaro como uma “casa” confortável. As pessoas tomam conta umas das outras e são fofoqueiras – minha mãe também era. Interessante era sua capacidade de retirar segredos de motoristas de táxi, vigilantes, vendedores de pipoca e, obviamente, de grandes ícones. Lembro-me de uma entrevista com Bussunda, o ator Cláudio Besserman Viana. Ele parecia o entrevistador.

Embora alguns de meus amigos acreditem que possuo um lado “sombrio” e introspectivo, traço que, aliás, possui um marco temporal com o falecimento de meu avô, me acho alegre. Com uma xícara de café extraforte e debruçado por alguns minutos, consigo, de forma verossímil, descrever tudo que vivencio aqui. Niterói me proporcionou lidar com narrativas curtas, crônicas e fragmentos de pensamentos, por vezes breves, como insights.

Por aqui residem meus melhores amigos, grandes médicos, excelentes arquitetos e, principalmente, pessoas caridosas. Em contrapartida, aquele grupo que gostaria de viver em Bahamas, enche um pouco o saco. Mas passa… sempre foi assim… me aproximo das pessoas que não me reparam como médico – aquelas que de bom grado, não se preocupam com a vida alheia, como principalmente, as mulheres que fazem parte do meio médico. De uma infância pobre seria inevitável não gostar dos meus amigos, que me conheceram andando de chinelo, com uma antiga camisa da CHL (empresa que vovô trabalhava) e ao anoitecer, brincando de taco.

Tenho milhões de boas lembranças aqui na Terra de Arariboia. Uma delas era pescar com meu avô na Ilha dos Amores. Íamos de barco. As cocorocas pareciam pular nos anzóis, mas como tinha pena dos peixes, lhes dávamos uma segunda chance. As galinhas-chocas, papéis de jornais amassados com pontas reunidas e queimadas, pareciam grandes balões na nossa infância. Minha tia certa vez dizia que eu tinha tendência de queimar as coisas; achava que seria um perigo para a sociedade. Até hoje nunca cometi nada nesse sentido.

Nosso grupo tinha alguns hábitos peculiares. Jogávamos futebol e literalmente, com o calor do asfalto da Rua Leonel Magalhães, ficávamos com os pés bolhosos. Acreditávamos que das peladas poderia surgir um grande craque. Tínhamos sonhos de crianças e adolescentes – muitos não se concretizaram, mas alguns deles foram lindos, pois se tornaram reais.

Minhas reações são realmente esquisitas. Nunca estive à vontade depois que cresci e tornei-me Médico. As pessoas invejam não sei exatamente o quê… De repente nem elas sabem…Todo esse formalismo e ostentação por uma “vida só” me deixa cada vez mais distante, estudando sozinho as revistas que assino. Eu não sou mais capaz de desempenhar papéis ou personagens na sociedade. Realmente era mais pacificador, que sou nos dias atuais. Acho que me ajudo enquanto pessoa, então, sempre sobra muita coisa para dividir com outros que aprecio.

Dedico essa crônica para um amigo Médico chamado Pedro Morales. Ontem enviou-me uma foto da sua filhota Marina, ainda com movimentos rudimentares de um metazoário em desenvolvimento pleno. Pedro me chamou atenção quando disse: “Marquinho, desculpe-me pela demora, mas estou apaixonado pela minha filha”. Esqueci o que tinha pedido para ele e, obviamente, chorei de emoção. Pedro era um desses guris com quem passei parte da minha infância, crescemos juntos.