Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Enquanto caminhava com meus filhos, para retirá-los um pouco desse assombroso mundo que fora tornado por nós, escutei um provável dono de uma loja em Niterói o seguinte comentário: “Eu não vendo para pobres; minha marca é referência”. João ouviu, enquanto creio que as orelhas de Bento não colocaram as palavras no seu cérebro.

Obviamente viria a pergunta do meu filho mais velho: ”Papai, por que esse vovô disse que não vende suas coisas para os pobres?”. Tive que pensar muito rápido, pois ambos são infinitamente mais inteligentes que eu.  Ambos estão anos-luz, de minhas falhas conexões límbicas. “João, o velhinho respondeu isso, pois ele doa as coisas para os pobres – é um ato de bondade – olha a carinha dele – como parece um Papai Noel”. Sinceramente penso que despistei e afastei meus filhos de uma criatura tão abestada e estúpida como esse sujeito.
Meu sentimento não foi de raiva, mas de perplexidade e compaixão. Pensei como uma criatura tão vivida, com capital para formar outros seres, desenvolver potencialidades, ajudar pessoas, transforma-se numa involução de criatura humana.
Tenho dificuldade em perceber pais educando seus filhos na cooperação de solidariedade; creio que nesse dia estaremos próximos de educar para a paz. Em contrapartida, parece que os humanos “educam” para a competição, como se o mundo fosse um grande campo de batalha.
Na verdade, o que ouvi daquela boca foi uma chacina com o socialismo, com o pobre, o negro, o homossexual, o transexual… Infelizmente, vira e mexe, a gente esbarra com eles. Percebo que começa a aparecer no meio de nossas vidas, uma espécie de corredor vazio, imóvel, cortando a massa humana ao meio.
A não ser pelas gotículas da chuva- que alentecem o calor de nossas “plantas”, mas faz crescer a lama no clube – nenhum contratempo, exceto a verbalização desse idiota permitiu-nos desfrutar de braçadas na água. Estávamos diante de um abutre voraz e impiedoso. Atento que utilizar o termo planta dos pés é errôneo, pois nas mãos existem só palmas.
Já protegidos na água e com energia renovada, perguntei aos meninos se eles gostavam dos torcedores do Flamengo. “Sim papai, são engraçados, felizes, cantam músicas, se abraçam, uns possuem a cor da pele negra, outros são brancos”. Interrogo-os: “Vocês acham que são felizes?”. Após a segunda resposta afirmativa creio terem entendido, que viver é muito mais que afortunar capital, ostentar objetos que traças roem e, principalmente, menosprezar qualquer pessoa.
O Brasil parece ter reconhecido finalmente o poder da eloquência do seu silêncio cabuloso. Teoricamente podemos dizer, que a cidade maravilhosa não parou, entretanto estacionou suas atividades em alguns pontos, sendo o principal, a falta de sensibilidade com o outro.
Não tenho dúvidas, que essa Crônica deverá ser dedicada para alguém que incorpore a leitura e tente fazer o inverso do narrado; caso contrário estaremos fadados ao pó mais rapidamente, mesmo sendo oriundos de lá.
Para terminar, hoje escutei de meu filho mais velho, que se mudaram do antigo apartamento, para reduzirem o contato comigo. Triste ele ter ouvido isso, mas, criança não mente – isso é a maior verdade do mundo. E assim caminha “desmanteladamente” nossa sociedade. Diante desse golpe para mim, registro que Filhos não esquecem dos pais nunca, desde que esses se façam presentes com amor e calor. João e Bento – estamos juntos sempre e para todo o sempre.