Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Seria desonesto dizer aos leitores que não tento conciliar meu trabalho diário com experimentos científicos. Na atualidade interrogo em que momentos demos errado em nossa trajetória de crescimento “sapiesco”. A Revolução Cognitiva pareceu-me, até certo ponto, uma virada em que nos tornamos independentes de nossas limitações para/com a biologia celular. Todos os segundos dos ponteiros biológicos evocam vulnerações em nossos micromundos nos permitindo partilhar ideias, partidos políticos, esportes, assuntos amorosos e religião.

Hoje estávamos eu, João e Bento partilhando figurinhas da Copa do Mundo. Ganhamos o CR7!!! Infelizmente não é o que acontece durante a escrita dessa crônica: nós escolhemos um lado, uma tribo, um clube de futebol e, tomados por raiva, vivemos à odiar, por vezes, um invisível inimigo; a diferença ou mesmo indiferença. Ando com uma fisionomia austera, poucos dias iluminados por um sorriso ou ato de gratidão. Passo, ultimamente, a falar seco, não tento ensinar mais medicina aos alunos: provavelmente eles sabem mais do que eu. Ando desajeitado, sucinto e isolado. Não acredito muito na ressurreição da natureza humana, mesmo com dois grandes filhos que aqui pus e os ensinei sobre o amor. João parece que seguirá na Medicina; já Bento a Culinária. Na contramão de tudo, existe um desinteresse melancólico sobre a nossa vulnerabilidade moral. O vinho brilha nos olhos dos poucos que os degustam, visualizados por detrás de simples copos de cristal; muitos vagabundos como alguns corações.

O contato com as geadas de países como, por exemplo, o Chile, fornecem uma sensação de saciedade na cadeia biológica: realmente está tudo bem. Não é o mesmo frio que desaquece e mata milhões de pessoas no qual estamos falando, só pode ser outro frio. Esse é o presente do homem? Realmente esse tempo é considerado o presente da nossa humanidade? Chegou uma época em que tinha uma reconhecida tolerabilidade com outras tribos, acreditando que más ações poderiam ser tropeços rotineiros.

O termo “matar” também soava estranho tempos atrás. Peguei -me, por Icarai, surpreendido por um homem que, calmamente, pisou na mão de sua filha; deixando-a ao chão, sob lágrimas, estirada em vão. Vê-lo e não poder fazer nada foi pior, horrível, mesmo porque já estava, o primata, rodeado por um grupo oposto. O homem, esse tal idiota, calmo e aparente sem desordem mental, não esboçava muita coisa não. Chamaram um médico, em meio à confusão e ao balancear de bandeirolas políticas:

“Alguém chama um médico!”, gritou uma mulher.

Não se tratava de urgência nem emergência, mas cheguei ali calmo. Como esganar o sujeito estava fora de contexto, pedi as mãos da pequena para uma falsa anamnese. Assoprei seus artelhos sujos de crostas dos sapatos que habitavam a padaria, dedilhei-os (juntos aos micróbios do solo) e falei:

“Que dedinhos bonitos, me empresta um?”.

Jamais vira um círculo de “fascies” tão sangrentas, odiosas e “harpiosas”, se existe esse termo. Caso contrário; chamemos de harpias: tudo vale hoje em dia.

Essa crônica é anêmica? Me parece; mesmo porque quem a escreve percebe o caos nas relações humanas e o mundo tomado por ópio. Do outro lado, nas montanhas, passeios de esqui com garrafas de vinhos e aperitivos são servidos; logo ali; logo ali; bem pertinho. Aqui vai uma lição ao leitor que não quer sofrer nesse mundo: não dizer coisa alguma: “calar a boca”. Façamos um trato: jamais falaremos sobre esse assunto novamente.

Quase acabando esse texto, crônica ou mesmo desabafo, eis que pisca meu WhatsApp.

“Marco estou precisando de um bom psiquiatra, que seja humano e bom profissional.O psiquiatra que o meu marido indica é amigo dele e eu não me sinto à vontade. Você conhece alguém que possa me indicar?”

Sim. Procure a Júlia Fernandes. Uma das melhores fadas do bem que eu conheço.