Paulo Sally é Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

A atualidade de alguns autores causa catarses na intimidade humana. Impressionante! Sigmund Freud desligou o disjuntor da humanidade com a teoria do inconsciente. As descobertas do cientista de Viena levaram a knock down a prepotência da natureza humana. Não, não se repete aqui a histeria se somos naturalmente maus ou bons. Muito pelo contrário, consta-se cientificamente que somos. Humanos, demasiadamente humanos, como dizia Friedrich Nietzsche.

Cada vez mais observa-se uma pueril discussão a respeito da verdadeira natureza humana. Alguns, inclusive, defendem a sua inexistência. Quantos a esses, gostaria de indagá-los se então somos pedras ou árvores. Bem, não vou perder o meu tempo, e nem tomar o seu com essa desinteria teórica. Ora, se somos humanos, nossa natureza é humana, ou não? Se não temos uma natureza, somos o que afinal? Tábulas rasas? Páginas em branco? Bem, não é isso que nos mostra a história. Sem me alongar em minhas divagações, trago o leitor para um panorama atual. Atualíssimo. Vivíamos no âmbito da cultura – leia a expressão em lato sensu, em uma espécie de belle époque do Vale do Silício. As coisas mundanas andavam em certa ordem. Uma espécie reminiscente do faça amor, não faça guerra.

Deflagrou-se a crença, ressalva algumas exceções, que chegamos ao ponto ótimo da cultura. O início do século XX, caiu nessa mesma cilada. Embutidas e enlatadas estavam as ideias herméticas de que os vícios humanos estavam sendo dilacerados pela ideologia carinhosa do politicamente correto. Novamente, passou-se a acreditar que práticas de antissemitismos estavam definitivamente aniquiladas. Que a pedra angular dos direitos humanos tinha encontrado seu ápice nas mentes superiores dos milenares de plantão. Quanta bobagem! A Belle Époque, período considerado de expansão e progresso, nomeadamente a nível intelectual e artístico, culminou com a primeira guerra mundial, em 1914. O início do século XXI, não se fez de rogado. Repetiu a fórmula. Acreditou na cilada moduladora da natureza humana. Xeque-mate. Esqueceram de combinar com os russos.

O pai da psicanálise já havia nos advertido sobre as feridas narcísicas da humanidade. Vivemos no planeta Terra. Saímos do antiquado geocentrismo, para o científico heliocentrismo. O ser humano não ocupa em sua modesta moradia, o centro do universo. Orbitamos o sol, como outros vários. O sistema planetário ao qual pertence o planeta Terra é denominado Sistema Solar, e não terráqueo.  Não somos o que há de mais nobre, nem em conceitos geográficos. A teoria da evolução humana, também nos mostrou que somos somente uma espécie dentro de um gênero. Não temos um lugar especial no reino animal. Uma criação, como todas as outras. Por fim, na descoberta do inconsciente, o homem descobre que não é dono nem em sua própria casa. O eu, todo consciente, deixa de ser o senhor de si mesmo. O cartesianismo vai a óbito. Porém, mesmo assim, ainda se vende, e a quem compre, a ideia de que o ser humano é uma figura especial e protagonista de seu destino. Ah, o delicioso engano do narcisismo.