A psicanalista Andrea Ladislau

Quem nunca ouviu a expressão: eles brigam feito cão e gato? Certamente, muitos.

Algumas das classificações para a relação entre irmãos, sem dúvida poderia ser essa. Mas no fundo, o relacionamento entre irmãos, na maioria dos casos, também é recheado de carinho, admiração e afeto. Quando existe uma diferença grande de idade entre eles, fica ainda mais evidente os comportamentos que destoam.

A existência de irmãos é, de um modo geral, muito positiva, contribuindo até para o desenvolvimento emocional das crianças. Independentemente da diferença de idades, os irmãos mais velhos funcionam quase sempre como modelos comportamentais, que os mais novos tendem a reproduzir. Dependendo do investimento que os pais façam no desenvolvimento de competências sociais, como a partilha, a assertividade ou o sentido de justiça, maior ou menor poderá ser o laço entre irmãos. O importante é que as crianças cresçam em um ambiente agradável, com o apoio dos pais e a atenção que merecem. Com o tempo, com certeza, os irmãos vão se adorar independente da diferença.

Podemos dizer que, a relação entre irmãos provavelmente será mais duradoura do que qualquer outra relação na vida de uma pessoa, e desempenha um papel essencial na vida das famílias. Os irmãos são vistos como um componente essencial dos sistemas familiares, mas há uma série de desafios conceituais e metodológicos para o estudo de irmãos sob essa perspectiva. As relações entre irmãos definem-se pela intimidade: como as crianças passam muito tempo brincando juntas, conhecem muito bem umas às outras. Essa história longa e esse conhecimento íntimo traduzem-se em oportunidades para oferecer apoio emocional e instrumental recíproco, para envolver-se em brincadeiras de faz-de-conta, para entrar em conflito, e para compreender os pontos de vista dos outros. Destacamos também as grandes diferenças individuais na qualidade da relação de cada criança com cada irmão/irmã. Além disso, as diferenças de idade entre os irmãos frequentemente fazem com que questões de poder, controle e rivalidade se tornem fonte de disputas entre as crianças. Essas características às vezes fazem com que as relações entre irmãos sejam um desafio para os pais no cotidiano, devido à natureza potencialmente emocional e altamente carregada das relações e à questão da diferença do tratamento por parte dos pais.

Não podemos esquecer um ponto de extrema importância quando analisamos o relacionamento entre irmãos, sejam de qualquer idade: A influência que estas relações exercem no desenvolvimento da compreensão da criança sobre seu mundo social, emocional, moral e cognitivo. Sobretudo, os irmãos desempenham um papel particularmente importante no desenvolvimento da compreensão da criança sobre a mente dos outros, isto é, sua compreensão de emoções, pensamentos, intenções e crenças. Os irmãos parecem demonstrar compreensão da mente dos outros em interações na vida real muito mais cedo do que a evidenciam em avaliações mais formais. Essa compreensão é especialmente revelada em episódios de provocação, brincadeira de faz-de-conta, resolução de conflitos e através da utilização de linguagem emocional e mental nas conversas. Tudo isso é muito bom para o amadurecimento emocional da criança. A convivência entre irmãos é um treinamento para relacionamentos futuros. O que se aprende, ganha e sofre nessa relação vai servir para a vida inteira. E os pais devem evitar tomar partido nas disputas. Costumam cobrar o filho mais velho em excesso, enquanto o caçula vira o eterno bebê. O mais velho abre espaços para o segundo. Se o menor ainda for poupado demais, o risco é que não saiba caminhar quando tiver de fazê-lo por conta própria.

Para a criança, um irmão significa mais do que um concorrente para dividir os pais e os brinquedos. Os casais reclamam muito da rivalidade entre os filhos, como se essa fosse a principal característica do relacionamento fraterno. Duas crianças juntas aprendem a trocar, a brigar e a se amar.  Os pais também aprendem a dividir sentimentos com a chegada de outro filho. Mais experientes, têm menos expectativas e ansiedade. Sabem que não darão conta de tudo e, principalmente, que é normal falhar. Nesse aspecto, ter mais de um filho traz benefícios para eles. Diminui a chance de sufocarem o primeiro. O importante é que as crianças cresçam em um ambiente agradável, com o afeto dos pais e a atenção que merecem. Quando os irmãos concordam, nenhuma força é tão poderosa como sua vida em comum.

Muitos pais ficam em dúvidas em relação a ter filhos com uma diferença grande de idade. Na verdade, a diferença pode resultar num instinto protetor, que acaba por estreitar os laços, sendo que o irmão mais velho assume, muitas vezes, o papel de “guardião”. Mas não se pode ignorar o fato de, em muitos destes casos, também pode existir um afastamento maior, sobretudo a partir do momento em que o mais velho sai da casa dos pais. Alguns jovens “queixam-se” precisamente pela falta de tempo de construir uma relação emocionalmente próxima com irmãos significativamente mais velhos.

Mesmo que uma criança não se sinta muito próxima do seu irmão mais velho e/ou sinta dificuldades em partilhar com ele as tarefas e brincadeiras, em função do fato de estarem em fases de amadurecimento emocional diferentes, compete aos pais promover o entrosamento com outras crianças de idades próximas, tal como acontece com os filhos únicos – os primos e os filhos dos amigos são recursos que contribuem para o desenvolvimento afetivo de todas as crianças. O fato de um irmão mais velho ser visto como responsável pelos irmãos mais novos não significa que haja uma sobreposição de papéis. Nas famílias felizes e saudáveis o papel de cada membro da família é claro. A ajuda na prestação de cuidados e/ou na aplicação e gestão das regras definidas pelos pais não pode ser confundida com o caos e com a multiplicidade de regras. O irmão mais velho pode se tornar uma referência para o mais novo.

Um outro ponto de suma importância a ser avaliado na relação de irmãos, são os conflitos. Quando os pais tratam os filhos de forma diferente, dirigindo às duas crianças quantidades diferentes de afeto positivo, respostas, controle, disciplina e intromissão, as relações entre os irmãos tendem a ser mais conflituosas e menos amistosas, mas isso só ocorre quando as crianças percebem a diferenciação como injusta. Irmãos primogênitos envolvem-se em papéis de liderança e de ensino, ao passo que os irmãos mais novos tendem mais a imitar, seguir e comportar-se como aprendizes. Na primeira infância, irmãos podem atuar como fonte de apoio em situações de cuidado em que a mãe está ausente por um breve período, e na média infância os irmãos podem oferecer apoio em situações familiares estressantes. As diferenças naturais de poder que resultam das diferenças de idade entre irmãos implicam que as duas crianças tendem a ter experiências diferentes na família. Por exemplo, os caçulas podem ter o benefício de aprender com os mais velhos, que estes não têm, e isso resulta algumas vezes em desenvolvimento precoce dos caçulas em algumas áreas.

Portanto, podemos concluir que, a relação entre irmãos é um laboratório natural para a aprendizagem de crianças pequenas a respeito de seu mundo. É um lugar protegido e seguro para aprender a interagir com outras crianças que são parceiros interessantes e envolvidos em brincadeiras, aprender maneiras construtivas de resolver desacordos e aprender a regular emoções positivas e negativas de formas socialmente aceitáveis. Há muitas oportunidades para as crianças pequenas desenvolverem uma compreensão sobre as relações sociais com membros da família que podem ser próximos e afetuosos em alguns momentos, e desagradáveis e agressivos em outros. Além disso, há muitas oportunidades para utilizar habilidades cognitivas para convencer os outros sobre seus pontos de vista, ensinar ou imitar as ações do irmão. Os benefícios do estabelecimento de relações calorosas e positivas com irmãos podem durar a vida inteira, ao passo que relações iniciais mais difíceis podem associar-se a resultados de desenvolvimento insatisfatórios. A tarefa dos irmãos é encontrar um equilíbrio entre os aspectos positivos e negativos de suas relações à medida que crescem juntos. Apesar dos ciúmes, das diferenças, da competição e até da inveja. Conflitos considerados, até certo ponto, normais dentro deste processo. O fato de possuírem personalidades diferentes, certamente, ajudará na construção de uma relação positiva ou não. O que se deve fazer é buscar construir uma convivência com as bases da inteligência emocional, na qual a individualidade deve ser respeitada. Além disso, o carinho, o afeto e a empatia precisam ser praticados todos os dias, a cada momento, minimizando assim os atritos e facilitando a comunicação e a expressão de ideias.