Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Essa crônica é uma espécie de front em uma situação de guerra. Um combate cínico, não civilizado e impiedoso com o nosso povo; acirrado com as campanhas eleitorais. Estamos observando um crescente vulcão atroz de uma sociedade partida pela pobreza, tristemente combalida pela “rataria” e descaracterizada sob todas as angulações. Impressionante como a qualidade humana piorou com a pandemia – como as pessoas se tornaram mais desqualificadas moralmente e menos espiritualizadas.

O ato de matar, seja bandido ou herói, agredido ou agressor, certo ou errado, parece normal. O Rio de Janeiro é um campo de batalha com suas impressões digitais borradas. Passamos da fase de medo, para o modo pânico desde a eclosão da COVID-19. Ser honesto aparenta uma espécie de troféu; excelente médico uma raridade e um bom policial – uma espécie de garimpo. Eu defendo muito essas profissões. Nelas conheço pessoas, ou colegas de trabalho, que dão duro 24 horas/dia, sete dias por semana.

Espanta-me esse novo mundo ou novo normal vivenciado. Fuzis à tiracolos e drogas em praças públicas são cenas que não mais provocam uma ebulição nos nossos sistemas cerebrais. Por conta disso são crescentes os episódios de depressão, pânico, ansiedade, manias. Os Psiquiatras denominam de humor triste, alterações no processamento emocional, déficits cognitivos e anedonia. Atualmente é notória uma ampla gama de fatores, que ladeiam os mecanismos biológicos por detrás desses domínios ou nomenclaturas, obviamente, com alvos para medicamentos específicos e muita terapia.

Uma grande questão que gostaria de abordar nessa crônica é nosso alentecimento em sentir prazer, ou interesse que a sociedade atual proporciona. Todo cidadão que rumina sentimentos e possui capacidade de raciocínio lógico está acuado, com receio de algo, preocupado, tenso, catatônico. Todos nós queremos aquele Rio de Janeiro da Bossa Nova, que embora também tivesse lastros de sujeira era infinitamente melhor em qualidade humana.

O mundo dá voltas! Como poderíamos acreditar, que chegaríamos a esse nadir deplorável de “coincidências” catastróficas. Por que tão fugazes as ruas se esvaziaram e todos voltamos para nossas residências preocupados? Eu queria entrar na cabeça dos governantes, entender um pouco o que se passa lá dentro, compreender esse monstruoso córtex, que eles montaram como castelos de areia; além do aberrante sistema de recompensa no qual denominamos de sistema límbico. Quais as transformações sinápticas ocorrem no coração cerebral desses inconsequentes?

O Rio de Janeiro se transformou numa espécie de organismo doente, com seu processo de sinalização celular depauperado. “O folclore parece ter sumido; estamos descendo ladeira”. Alguns amigos não conseguem mais se “reciclarem” biologicamente, pois essa engrenagem requer, à primeira vista, uma capacidade de vislumbrar algo melhor – de alguma forma – seja lá o que for.
Não existe mais aquela encenação da luta de índios contra os caubóis. Gostaria de deixar uma pergunta para o meu amigo Fábio Porto, um dos maiores Neurologistas à frente das Neurociências do Comportamento. Querido amigo, mesmo você conhecendo em miúdos os meandros dos mecanismos no processo hedônico, acha realmente possível construirmos uma racionalidade clínica, para corrigir tal disfunção? Falo isso com o coração aberto e amedrontado não por mim, mas principalmente com a saúde mental de nossa sociedade e, consequentemente, nossos filhos… Existe algum plano colateral para nós, além de psicoterapia e medicamentos? Deixo minha dúvida.
Dedico essa crônica para dois grandes amigos, que também dividem essas dores da alma comigo. Professores Jano Alves de Souza, Marco Antônio Araújo Leite e Claudia Mendonça (psicóloga de meus filhos).