Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Há estórias tão intensamente vivenciadas e pessoais que a mudança de nomes é aconselhável e prudente. Importam-me os fatos que passo a relatar, e não os nomes, emblemas que os identificam. É certo que esta é uma das narrativas mais tristes que ouvi de um grande homem, mas também, a última que lhe rendeu o agravamento de uma doença. Dei-lhe uma bronca daquelas brabas – “arretada”- ; mas não certamente, com um final tão perverso. Semana retrasada um de meus melhores amigos, Marcos, decidiu bloquear definitivamente a genitora de seus filhos pelo aplicativo whatsapp. O motivo? Uma foto enviada de um menino da pipa, retrato que estampava à parede das camas de seus dois filhos. Em adição e, não satisfeita com esta atitude, ainda encaminhou uma postagem sobre o assassinato dos meninos do ninho – uma provável alusão ao incêndio na Gávea.
Pergunto-lhe:
“O que você tem a ver com o incêndio do ninho, Marcos?!”
“Por acaso ateaste fogo em alguém ou mesmo “chamuscou” a felicidade dos seus filhos pelo término de um casamento?
“Conheço-lhe desde pequenino, ainda moleque travesso; e seu caráter não possui tais mazelas – voce tem alma pura! ”.
Esse papel de parede foi comprado com muito carinho pela mãe de Marcos, escolhido com o coração e confirmado pelo seu sistema de recompensa. É óbvio que meu amigo estava em franco sofrimento psíquico. Pois bem, seus filhos se mudaram da antiga casa, hoje tão fria e distante dos afetos, e o menino da pipa perdurou órfão naquela parede do antigo quarto onde eles nasceram.
Marcos afirmou que ao nascimento de seu primeiro filho, um lindo papel de ilustrava “um menino empinando uma pipa” – em alusão à felicidade de uma criança. A imagem tinha muita representação para esse casal; um sentimento velado e calado. Ao abrir tal aplicativo, conectar a imagem aos seus circuitos emocionais e tentar fazer uma leitura ele adoeceu dos rins – dizem que é um órgão muito frágil à pancadas psíquicas e está também envolvido com o medo. É o que chamamos de biopsicopatologia das emoções. A doença provavelmente emergiu porque ele não estava preparado por aquela crueldade virtual. Foi notória o deadline entre doença renal dias após vislumbrar a foto – olhou para mim com o semblante marejado, e exclamou:

“Orsini, meus olhos não choraram, mas os rins sim!”.

Ele é seu órgão minor resistance, infelizmente, tem gente que sabe ferir intensionalmente a alma do outro, meu amigo. Mas não contra-ataque, acene para a paz – comentei afagando sua cabeça escalvada, cheia de pontos de sol…
“Cara, você está velho, muitos pontos na cabeça – sempre tentamos driblar e blindar nossos amigos com piadas, não raras vezes sem graça”.
E ele aditou que:

“Sobre a separação e a guarda compartilhada com os meninos sinto-me bem, pleno, sorridente e alegre em dividir os momentos em intimidade com meus filhos”.

Eu, sinceramente, também faço a mesma leitura com João e Bento. Não troco esse momento por nada…mas permaneci emudecido. Enfatizei que temos liberdade emocional, das trocas afetivas, mas também há brincadeiras tolas e arranca-rabos. Algumas vezes, pego-me olhando no espelho. Acho que sou muito afetuoso com os meus; não poucas vezes, muito permissivo. Quanto as minhas atribuições paternas além do amor, indubitavelmente, pago e oferto-lhes tudo – tudo mesmo – mas de bom grado – sem esforço – faria centenas de vezes mais. Sinceramente não tenho o que reclamar de mim. Concordei com esse ser humano que praticamente nascemos juntos e, com toda a certeza do mundo, em qualquer situação de sua vida estarei ao lado dele.

Não gosto destas coisas que preveem o futuro, tipo ciências ocultas. Nunca vi estes corais mudarem o norte da vida de ninguém – somente servem para embaralhar a mente. Parece que só a gente mesmo é que pode fazer o dia de amanhã com desenho de sol ou chuva. O sacrifício de uma separação somente vale à pena se for com o intuito de interromper os conflitos incontornáveis dos laços conjugais com sérias repercussões sobre os filhos. É óbvio que, no começo, o estômago embrulha, ascende uma sensação metálica na boca, um gosto ruim, memórias vividas, barulhos de sinos e buzinas por todos os lados como, por exemplo, nos momentos que precedem crises epiléticas do lobo temporal. Eu também passei por isso – é ruim.

Bem sei que certas dores são persistentes, a pessoa se torna com o limiar rebaixado e até “nevrálgica”. Os lençóis parecem doer às noites quando não temos os filhos presentes; o sono que deveria ser restaurador é castrado, e a mente funciona num solilóquio angustiante. Nem sempre é fácil. Sei que eu mesmo tenho que colocar os pingos nos is para meu amigo, tomando a rédea do jogo e, indubitavelmente, da nova realidade, não é fácil. Passei a cuidar dos meus nervos com vitamina B6 devido quimioprofilaxia para tuberculose – tudo com bom humor -, compreensão e alegria por estar aqui com vocês, vivo. Parecido com o quadro de Marcos estou num esquema pesado de pulsoterapia. Mesmo assim é sempre bom ajudar os amigos com detalhes que a vida não nos deixa enxergar – aqueles que experimentam uma amaurose fugaz por isquêmica óptica ou mesmo por lesões desmielinizantes que embaralham o campo visual.

Quanto aos filhos de Marcos, deixei claro que é explicita e enlouquecedora a paixão dos pequenos por eles.

“Cara, os meninos te amam. O amor é tudo nesta vida”.

Lembro-me que adorava dar banho e alisar os rostos de João e Bento, limpar as fraldas, deixá-los escorrer pelos meus braços após as mamadas, cheirar os pés, esfregar seus couros cabeludos e sentir seus aromas de bebês. Parece velho ou “démodé”, mas não existe ferro, maneira de amassar, tampouco tintura que tire o meu desejo por vocês. Este será pleno, infinito e enquanto Deus me permitir sermos companheiros de viagem.

Essa crônica do menino da pipa voou para a caixa de entrada de Carlos Henrique Melo Reis. Melinho é uma espécie de guru, médico, astronauta e outra coisa que não sei descrever. Ele possui um coração imenso e intenso. Não é vergonha falar que o amo.

Por falar em arranca-rabos, essa semana, brigamos, eu e meu melhor amigo, Marco Antônio Araújo Leite. Foi uma briga virtual. Já estamos de bem após palavras distorcidas e deferidas pelo primeiro. De tanto ele ficar reclamando escrevi assim:

“Marco, eu te amo de amigo”.

A paz foi selada. Ele é muito especial. Decerto um grande intelectual, mas por vezes..