Paulo Sally é Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

No dia 13/10/2022 às 22h, estava mais uma vez defronte a tela. O propósito de toda quinta-feira era idêntico: assistir na TV Cultura Linha Cruzadas. No programa desta semana, a apresentadora Thaís Oyama e o filósofo Luiz Felipe Pondé discutiam um assunto sobre o qual não parece haver consenso, qual seja, o que é a opinião pública? Seria ela estúpida? O alto nível acerca das reflexões fora um verdadeiro deleite para esse curioso espectador. Os envolvidos, dispensam maiores apresentações. Profissionais de excelência. O cardápio de citações sempre vastos. Repertórios que parecem infinitos. Entretenimentos de tal envergadura deveriam se multiplicar diante da pobreza de nossas opções televisivas. Quantidade jamais fora sinônima de qualidade.

Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Após citações sobre Umberto Eco, Nelson Rodrigues e Alexis de Tocqueville, que tangenciavam os pensamentos dos protagonistas, não fora esquecido o ensaísta José Ortega y Gasset. Esse último, espanhol de Madrid (1883 à 1955) teve uma de suas obras citadas no curso do programa. A Rebelião das Massas, a qual recomendo a leitura. No livro, o autor apresenta o conceito de Homem Massa. No melhor estilo National Geographic pergunta-se: O que seria isso? Quem são esses? O que comem? Onde nascem? Como reproduzem? Em que lugares poderiam ser encontrados? Quem sabe primos dos idiotas da aldeia, de Umberto Eco, e dos cretinos fundamentais, de Nelson Rodrigues?

Preliminarmente, advirto ao leitor, que o conceito em nada se confunde com extrato social. O tal dito homem massa não necessariamente se mistura com o popular. Tal personagem atravessa todos os níveis sociais. Todos!

Passo aqui, a fornecer algumas dicas. Observe em seu interlocutor se suas ideias são fixas, inflexíveis e dotadas de certezas, sobre quase qualquer assunto. Independentemente de suas experiências, profissões ou titulações, a criatura tem conhecimento acerca de qualquer tema. O tipo tudólogo que hora se descreve talvez sempre tenha existido. Porém, com a disseminação das redes sociais tal figura se atomizou. Concebeu-se em PA e PG. Multiplicou-se mais do que os Gremlins. Caso ele lhe cite um artigo que leu na internet e tal fato lhe concedeu um conhecimento esclarecedor e definitivo, cuidado, podes ter encontrado algum. Destaca-se que para essa aporia epistemológica, provavelmente fora não mais do que ¼ de hora concedida, anterior a sua refeição. A partir de então, o poder do conhecimento passar a estar automaticamente em suas mãos.

O novo intelectual hora em epígrafe, prima pela mediocridade. Suas parcas ideias fixas devem ser consideradas pela unanimidade como preceitos fundamentais absolutos, intangíveis, imodificáveis e jamais questionáveis. Não se afigura admissível quaisquer questionamentos sobre seu pobre repertório, pelo contrário. O discurso é para que haja uma concordância cega sobre tais standards. Reforce e as multiplique, sem pensar sobre. Nada mais condenável do que o pensamento. A liberdade merece asilo na Sibéria. O princípio é: eu sou a verdade, e ela não lhe libertará. As ditas ideias fixas (entre três ou quatro, no máximo) abrangem todo um território. Seja qual for o assunto, elas se afiguram como princípios norteadores para todas as respostas.

O homem massa é especialista na guerra da Ucrânia, no tema da saúde mental, epidemiologia e em qualquer outra temática que seja exposta nas redes sociais. O espectro de atuação dessa nova celebridade aumentou-se em demasia. Ressalto, que tais ideias fixas não são necessariamente falsas. São, em sua maioria superficiais, pouco originais, genéricas, repetitivas ao extremo e pobres intelectualmente. Não se discute se tais ideias são certas e erradas. Seu problema é que são fixas, por conseguinte, aviltadoras da liberdade de pensamento. A realidade deixa então de ser conhecida em sua multiplicidade. Campo fértil para um autoritarismo ideológico. A opinião pública torna-se assim inimiga da razão. A atividade do pensamento pelo próprio pensamento põe-se a óbito. Sepulta-se a diversidade de visões.

Bem, não posso fugir as indagações que fiz. Os homens massa comem, talvez, o mesmo que você coma. Nascem em qualquer lugar do planeta. Reproduzem da mesma maneira como qualquer ser humano. Podem ser encontrados atualmente nas redes sociais, nos restaurantes, bares, empresas, repartições, igrejas, partidos políticos, na televisão e até em um baile de máscaras (no melhor estilo veneziano). Atenção aos novos formadores de opinião. Suas falas deveriam merecer advertências semelhantes as constantes nos maços de cigarro. Baluartes da verdade e da moral, assim também poderiam ser denominados.