Marco Orsini é MD PhD Médico com Formação em Neurologia- UFF. Professor Titular da Universidade de Vassouras e UNIG. Professor Pesquisador da Pós-Graduação em Neurologia – UFF.

Não consigo fingir que estou com medo. Está presente uma percepção normal em mim, devido ao que estamos a vivenciar. O medo em si não é ruim, pois nos permite criar estratégias a médio e longo prazo para alguma defesa. Mas, meu sentimento predominante é a gratidão. Sou grato e um admirador de Deus, *daqueles* fervorosos. Tenho certeza que não apenas acredito, mas experimento Deus de forma multifacetada. Penso que todo *brasileiro* deveria ter sua religião e, mesmo os que não acreditam em absolutamente nada oriundo do divino, alguma forma de acreditar.

Minutos antes de minha mãe falecer ela me disse, já com os esmaltes dos dentes tomados pela transição do processo derradeiro da vida:
“Filho, eu estou bem, acredite”.

Obviamente, mesmo sendo médico e encarando tudo aquilo como um processo natural de quem nasce, fiquei muito mal. Um derreamento completo de corpo e espírito. A gente olha o CTI e não percebe algumas situações que ocorrem enquanto no papel de médico. As lamparinas, os monitores, a velocidade do processo, a finitude, a gravidade e, principalmente, que todos os significantes têm significado.

Liguei para um médico e grande amigo, Marco Antonio Araujo Leite, e disse: “Marcão. Preciso que você me tire daqui, pelo amor de Deus”.
Momentos depois estávamos numa padaria – eu inerme e inerte; e ele me contemplando de modo compassivo. Ele não tinha muito o que falar, mas no fundo sabia que sua presença era um bálsamo para minha alma. Enfim, ligaram do Hospital e disseram, Bety morreu. Eu, sinceramente, diante ao pungente sofrimento materno, agradeci a Deus.

Essa semana me chamaram de judas, um homem capaz de judiar dos outros…chorei novamente. Nunca judiei de ninguém na minha vida.

A situação do Brasil lembra-me um pouco a da minha mãe, obviamente, se personificado. Não no que tange todo o tratamento de primeira que recebeu dos médicos e outros amigos da saúde. O Brasil está faz tempo enfermo e à deriva da possibilidade imediata de qualquer tratamento moral e empático. Tornou-se um paciente abandonado, agressivo e instável. Eu, particularmente, não gosto muito de falar de política partidária porque me causa asco. No entanto, tenho imenso apreço “político” alicerçada na filosofia aristotélica que tem a finalidade da felicidade de todos.

Infelizmente existe uma certa sinergia e cumplicidade entre esse “cara” que comanda a nação e os seus seguidores. A adesão ao negacionismo tem muito me espantado. O “tá okay”, soa-me como um bramido tribal dentre aos outros tiques dele que são motivos de “engraçamento” popular. O povo chama-me atenção por apoiar um palhaço. Parece-me uma opereta bufa com uma assistência descabeçada. Deixo claro que não tenho cor partidária. Eu sou humano e adepto da felicidade comum. Eu chorei em demasia por Manaus ontem. Hoje devo chorar de novo. Alguns me taxam de covarde por não escolher um lado, mas penso que eu já escolhi o meu- a neutralidade. Peço de coração, desculpas – embora fique no meio de vocês como uma espécie de caça.

Existe algo que falarei para vocês, leitores, que irá desagradar muita gente. Estamos sendo enganados muito antes desse atual regime autoritário e necrófilo. Começo, pela grave recessão no Governo Dilma que gerou seu impeahment em 2016. O vice-presidente assumiu com uma impopularidade absurda e, como todos os gafanhotos criados pelo jogo partidário, fora destroçado por denúncias de corrupção e não ter realizado as duas principais reformas essenciais ao pais, a fiscal e a partidária. No final do governo “temeroso”, o antipetismo mesmo que ferido, estava vivo, mas teve que enfrentar uma coligação formada por partidários e militantes de extrema direita, antipetistas e os interessados no aprofundamento da política econômica neoliberal.

O resultado do sufrágio foi eleger Jair Messias Bolsonaro –, e eu, confesso, contribui para isso.

O que pretendo dizer com esta crônica é que O Brasil assemelha-se a um paciente agonico faz tempo, não somente pela atual gestão. Comporta-se como um corpo em morte cerebral que espera pela falência múltipla dos órgãos, com posterior doação do que sobrou”. Eu pergunto para vocês todos: “O que sobrou do Brasil? O Povo?”

Nunca vi uma população tão distante do ponto de vista moral. Uma parte dela tão frouxa, calça arriada, ausente de solidariedade, antipática e estulta. Este contingente é própria classe média que tem um amor infinito e incondicional por Miami, Disneylandia, carros de luxo e demais frivolidades, mas incapaz de retirar a camisa que vestem e entregar para um morador de rua que tem frio e fome. Uma parcela que fala em meritocracia, mas coloca seus filhos nos melhores colégios enquanto os adolescentes de cota estudam sob telhas de amianto ou zinco e com computadores com sinal fraco de internet. Meritocracia coisa nenhuma – o termo para isso é falso moralismo perverso.

Acho um absurdo um governo promover crença e criar proclamadores em meio a uma pandemia que também os atinge, geralmente trabalhadores e pobres. Essa estória que Deus vai dar um lugar bonito e pleno no céu se vocês contribuírem com seu dinheiro é uma atrocidade com a população pobre. Por isso, estamos todos num processo de agonia final, negligenciando nossos pares, arrotando que somos melhores, pisando em outros e empurrando a miséria para o fundo do poço – como no enredo do filme: O Poço.

Vale ratificar que o Brasil sempre foi doente, desde a sua colonização. Carnes negras martirizadas, índias violentadas, madeiras retiradas com trocas desonestas de mercadorias. Somos um país germinado na exploração e na arrogancia. Essa tal fé devotada num esquema em que pobres religiosamente piedosos se sacrificam por entender que Deus exige uma moralidade punitiva e aviltante contra os despossuídos e errantes é uma versão fajuta. Deus é puro. Deus é amor. Deus é misericordioso. Ele não fará mal para ninguém, principalmente aos que precisam de alimentos e remédios para seus filhos e suas famílias. Para os que experimentam Deus como eu, deixo claro que essa tal de moralidade punitiva e aviltante contra os despossuídos e errantes é mentira. “seja fiel no pouco e no muito eu colocarei você”. Papo furado- porra nenhuma. Aos que não acreditam em Deus – Deus também ama os ateus – vamos começar a acreditar em algo ou trabalhar para fornecermos uma oportunidade de nova vida mais digna ao Brasil.

Só existe, em todo esse processo, uma única saída, e não outra, com toda a clareza do mundo. Vamos fortalecer as famílias para que eduquem as suas crianças, mostrando para elas dentro de casa o que é moralmente certo e, com pequenas pitadas, o significado de ser empático. Não adianta somente boas escolas – isto é importante – mas o essencial é uma família protegida e estruturada, onde o amor, a honestidade e os conceitos éticos sejam os pilares da plena cidadania. Quem sabe a alegria e o amor possam voltar a brotar de futuros corações agradecidos.

Dedico esta crônica aos adolescentes que irão fazer a prova do ENEM neste final de semana. Estudar com ingesta protéica inadequada, no calor, sob telhas, com sinal de wi-fi do vizinho mais abastado ou da padaria; e tendo que cuidar de irmãos já é uma vitória. Deve ser uma merda ser pobre e concorrer com meninos e meninas iPhone. Se algo acalenta o coração de vocês digo-lhes sem pestanejar, que muitos “riquinhos” que tiram boas notas nas redações não possuem conhecimento necessário de história, de arte, de filosofia e, de textos de um Monteiro Lobato, por exemplo. Eles simplesmente gravam temas e os modelos de redação, mas na verdade não sabem interpretar o que escrevem. Não conhecem a vida, mas tem aulas de como escrever sobre ela. Aulas gravadas num encéfalo anêmico. Isso ocorre com muita gente que se acha melhor que vocês, mas que não são. Vocês, menos favorecidos socialmente, possuem algo que muitos afortunados não têm, o amor no coração, e o suor verdadeiro dispendido no bulício do viver.
Há sangue de vidas colonizadas mesclado as cicatrizes morais, aos preconceitos e as lutas das mais variadas e inimagináveis.

Decididamente, o mundo não pode ser dividido em perdedores e vencedores, porquanto a nossa diáspora foi consequência de nossa cooperação e compartilhamento de agruras e realizações.
Desejo, portanto, a todos vocês boa sorte! Espero que ao menos vocês façam uma coisa boa no ENEM. Mostrem que o Brasil está “escoliótico”. Amém.